Garry Kasparov explora os Consumer Genomic Kits. Saiba mais sobre os excitantes novos horizontes neste crescente setor e como garantir que avançamos com bom senso e integridade.
Os kits genômicos ao consumidor estão na moda. Na Black Friday e na Cyber Monday do ano passado, a líder do setor, a 23&Me, vendeu 1,5 milhão deles. Eu consigo entender o apelo. É divertido saber de onde vieram seus ancestrais e talvez até descobrir um fato surpreendente sobre a herança familiar para compartilhar em festas.
Você pode até mesmo descobrir um ou dois parentes distantes e esquecidos. Ou seja, as pessoas querem descobrir as doenças a que eles são mais suscetíveis e o que podem fazer para reduzir os riscos. Deixando de lado as preocupações sobre a precisão e confiabilidade desses testes, ainda temos uma grande armadilha: a ameaça à privacidade e segurança de uma enorme quantidade de dados biométricos.
Já compartilhamos muitas informações, talvez até demais, em redes sociais e com centenas de empresas, como parte do alcance cada vez maior das novas ferramentas e conveniências digitais. Nós “pagamos” por esses serviços maravilhosos com nossas informações pessoais e preferências, o que pode nos fazer acreditar que estamos recebendo tudo de graça. Compartilhar nossos dados biométricos, até mesmo o nosso DNA, é mais um passo nessa direção. Os possíveis benefícios científicos e pessoais são enormes, mas temos pouca capacidade para compreender como essas decisões de compartilhamento podem nos assombrar no futuro, individualmente e como uma sociedade.
Vantagens
Antes de examinar os problemas e talvez algumas soluções, vamos ver os avanços positivos que essa tecnologia pode nos trazer e até alguns que ela já trouxe. A capacidade de analisar enormes quantidades de DNA e outros dados físicos permitirão que os profissionais de saúde identifiquem tendências de grande escala, testem a eficácia de diferentes práticas e políticas de saúde em várias regiões e populações e descubram novas soluções baseadas em evidências. Os pacientes, enquanto isso, poderão obter independentemente informações importantes sobre sua saúde, tornando-se participantes melhor informados e proativos no sistema de saúde.
Isso depende, claro, de garantir que os clientes procurem por fontes de informações confiáveis. Algumas empresas de genômica, como a Helix, estão considerando parcerias com outras empresas, como a Mayo Clinic, para garantir que seus clientes possam interpretar corretamente os dados genéticos que recebem. E isso leva a nosso conhecido dilema: embora digamos que queremos mais informações e mais responsabilidades, elas se tornam rapidamente uma carga muito grande e levam a escolhas ruins e/ou à entrega dessas decisões a empresas com seus próprios interesses.
Discriminação genética
Um ponto negativo óbvio é a possibilidade de empresas de seguro e empregadores usarem as informações genéticas para discriminar pessoas com alto risco de doença. Essa preocupação não é recente e já existe uma legislação sobre o assunto, o Genetic Nondiscrimination Act, para evitar tratamento preferencial com base em tais dados. O novo pico em testes genômicos só aumenta a oportunidade desse tipo de discriminação, por isso, devemos continuar vigilantes e atualizar as leis antigas, conforme a necessidade. A tendência pode tomar rumos perturbadores, levando-nos a futuros distópicos, como o vislumbrado em clássicos de ficção científica, como Gattaca. Embora eu seja geralmente otimista em relação à tecnologia, devemos estar cientes sobre os perigos. Já temos a capacidade de fazer a triagem de muitas doenças antes da concepção, mas não há motivo para pensar que, com regulamentos corretos e lideranças éticas, teremos um mundo em que as pessoas são compradas de acordo com seu potencial genético.
DNA como moeda
Outra possibilidade perigosa é a transformação dos dados genéticos em um novo tipo de moeda. Como quase todos os avanços tecnológicos, esse não é inerentemente mau ou bom. No entanto, ele é um desenvolvimento em que devemos estar à frente, antes que aproveitadores usem-no para tirar vantagem das pessoas. Temos direito especial sobre nossos dados genéticos, de uma maneira que não temos sobre outros, como por exemplo, nosso histórico de navegação? Em um caso da Suprema Corte dos EUA em 2013, a empresa diagnóstico molecular, Myriad Genetics, foi declarada em violação da lei de patente ao procurar lucrar com material genético, o que a Corte classificou como elemento natural e, assim, não qualificado para patente. Uma patente baseada em DNA criado sinteticamente, no entanto, foi permitida. Determinar quais informações podem ser usadas para obter ganhos privados e quais não podem se tornará cada vez mais difícil à medida que essa área continuar a evoluir.
Para complicar ainda mais o panorama, startups como LunaDNA e Nebula Genomics estão tentando transformar o setor de genômica ao consumidor em uma economia na sua plenitude. Esses “biocorretores” querem dar às pessoas a oportunidade de alugar ou vender seus dados para instituições biomédicas em troca de compensações financeiras. Uma possibilidade é um sistema cooperativo, em que o valor se acumula conforme o conjunto de dados cresce e os contribuintes individuais recebem dividendos com base no porte do seu “investimento genético”: uma frase surpreendente! Outro modelo de negócios poderia exigir que os consumidores sequenciem todo o seu genoma para pagamento, já que informações completas são mais valiosas aos pesquisadores.
Quanto mais opções houver para tais “transações” genéticas, maiores serão as chances de atrair pessoas com más intenções e violações de segurança. Não devemos esperar por um análogo biométrico ao escândalo da Cambridge Analytica para fazer um balanço dos regulamentos de privacidade e práticas de segurança do setor. Qualquer empresa que entre na área deve ser responsabilizada pelos dados importantes e profundamente pessoais que acessa. Devemos ter em mente que, apesar de nossas melhores intenções, os dados inevitavelmente acabam em lugares que não planejamos, às vezes por design, outras por invasões criminosas. À medida que transformamos mais de nossas vidas em dados, como com nossas finanças e telecomunicações, precisamos medir o risco de onde eles poderão parar.
Soluções/Conclusão
O que devemos fazer, mais especificamente, para lidar com os riscos de segurança dessa explosão de testes biométricos? Temos alguns exemplos de instituições que estão atualizando os regulamentos para acompanhar as mudanças. Em 2017, a Food and Drug Administration (FDA) afrouxou os regulamentos para os kits de teste genético ao consumidor. A nova política permite que empresas que receberam aprovação da FDA para um teste anterior comecem a vender testes futuros antes da avaliação. A mudança é uma tentativa de aumentar a flexibilidade e adaptar-se às mudanças rápidas no mercado, mantendo os padrões existentes de segurança e confiabilidade. (Todos os testes são avaliados e os testes de alto risco foram excluídos das novas regras).
Ainda há muitas perguntas sem resposta. Quanto desse campo queremos entregar à supervisão pública e quanto deveria permanecer nas mãos de empresas privadas? Deveríamos estabelecer um banco de dados público, tornando os dados biométricos, ou certos segmentos deles, um bem público sem fins lucrativos, ou remover muito dos lucros reduzirá os avanços necessários? Como é comum, vou encerrar com uma nota aberta. Tenho esperança que essas inovações abram novos horizontes empolgantes, desde que avancemos com doses iguais de senso comum e integridade.