Quais as grandes implicações das empresas de testes genéticos terem acesso tanto ao seu DNA quanto aos seus dados online?
Sou uma espécie de nerd genealógica. Não daquele tipo obcecado por genealogia. Na verdade, passei apenas uma hora da minha vida vendo o site Ancestry.com, a maior empresa de genealogia privada do mundo, com sede nos EUA. Por outro lado, certamente dediquei muito mais tempo do que a maioria das pessoas pesquisando a árvore genealógica da família. Gosto de ouvir histórias da minha família e de imaginar todas as diferentes situações que aconteceram antes de culminarem na minha existência.
Então, quando esses testes de DNA caseiros surgiram, é claro que fui testá-los. Eu sabia bem qual era a minha ascendência (alerta spoiler: muito europeia), mas algumas brechas na história familiar precisavam ser preenchidas. E se houvesse algo realmente surpreendente nos meus genes? Eu queria saber. Então dei uma cuspidinha em um tubo, enviei por correio para a empresa MyHeritage DNA, que faria a análise, e fiquei esperando.
O que não estava no meu radar em 2017 eram os riscos envolvidos no envio do meu DNA a uma empresa privada. E tenho que admitir: isso é uma vergonha. Hoje em dia esse perigo todo é tão obvio, certo? Enviar meu código genético para qualquer um está longe de ser uma boa ideia, pior ainda se esse alguém for uma corporação privada.
O objetivo da série O que a internet sabe sobre mim? é fazer uma análise em profundidade de todas as coisas que empresas e serviços podem saber sobre mim no mundo digital, e aqui estamos falando das coisas boas e ruins. Até agora, nada se mostrou tão assustador quanto imaginei. Mas admito que fiquei bem ansiosa ao analisar esse caso. Foi um erro ter cuspido naquele tubo? Se foi, como revertê-lo?
Aqui vai tudo o que descobri sobre a MyHeritage DNA. Para começar, quero enfatizar que as questões envolvendo privacidade e segurança abordadas aqui dizem respeito somente a essa empresa. Não avaliei nenhum outro serviço, como os populares 23andMe e o AncestryDNA. Cada um deles tem uma política de privacidade específica. Caso você se interesse por diferentes empresas de teste de DNA online, sugiro que leia a política de privacidade da empresa antes de enviar seu material genético a eles.
O que a MyHeritage DNA sabe
Bem, a primeira coisa — e também mais obvia — que a MyHeritage sabe sobre seus clientes é o DNA. Isso significa que a empresa sabe coisas sobre as pessoas testadas que elas próprias nem imaginam. Por exemplo, se um cliente decide pagar por uma atualização, a empresa pode dizer se a pessoa está predisposta a desenvolver certos tipos de doenças.
Eu decidi não pagar por essa opção, pois acredito que isso entregaria ainda mais informações sobre mim do que o necessário, além de me deixar vulnerável a grandes problemas de privacidade. Mas para ser honesta, essa pode ser uma sensação de segurança enganosa. Afinal, a empresa tem a posse do meu DNA. Em teoria, ela poderia analisá-lo se quisesse, mas não existe nenhuma evidência de que a MyHeritage faça isso.
Com essa amostra de DNA, eles também podem estimar a origem dos meus ancestrais segundo as características genéticas das pessoas que viviam em determinadas regiões do planeta. Como cliente, provavelmente essa á a parte que mais me interessa. A empresa envia um pequeno mapa interativo com as regiões em que, provavelmente, seus ancestrais viveram. Dá para clicar em cada opção para saber mais sobre cada grupo.
No meu caso, não encontrei nada de muito surpreendente, a não ser pelo fato de que a empresa não identificou nenhum ancestral não judeu da Alemanha, mesmo que o sobrenome da avó do meu pai seja Schoeffel, soando muito alemão. Mas o teste identificou diversas linhagens escandinavas que não fazem parte da história oral da minha família. Fiquei confusa. Foi então que meu parceiro disse que, até poucas gerações passadas, os alemães eram mais geneticamente parecidos com os escandinavos modernos do que com os alemães modernos. Mais um mistério ancestral resolvido!
A MyHeritage também sabe quem são meus “parentes”. Coloquei isso entre aspas porque, até agora, as estimativas se referem aos meus primos entre terceiro e quinto graus, pessoas com quem compartilho menos de 1% dos meus marcadores genéticos. Em teoria, posso ter filhos com todas essas pessoas sem correr o risco de gerar crianças com problemas genéticos por conta do parentesco, então não sinto serem realmente meus parentes. Claro que se algum familiar mais próximo também tivesse feito o teste da MyHeritage, a história seria diferente. Mas isso ainda não aconteceu.
A MyHeritage também sabe meu nome, sobrenome e endereço de e-mail, mas não tem nenhuma outra informação pessoal sobre mim, porque não enviei à empresa. Se eu quisesse contratar outros serviços oferecidos pelo site, ou até explorar minha genealogia com mais rigor, poderia ter informado:
- Foto
- Endereço
- Telefone
- Fax
- Histórico de trabalho
- Educação
- Interesses
- Religião
- Nacionalidades
- Idiomas falados
- Posições políticas
- Altura e peso
- Cor dos olhos
- Cor dos cabelos
- Parentes imediatos/árvore genealógica
E em nível tecnológico - afinal, essa ainda é uma empresa tecnológica, mesmo que às vezes não pareça - a MyHeritage rastreia coisas habituais via cookies, conforme informado em sua política de privacidade. A empresa explica o que são cookies, o que rastreiam e também como rejeitar o rastreamento, tudo de forma bem clara.
O que a MyHeritageDNA faz com meus dados?
Como disse antes, estava muito ansiosa com essa pesquisa. Mas tenho que admitir que fiquei feliz ao descobrir que a MyHeritage DNA leva as questões de privacidade muito a sério. Segundo a política de privacidade da empresa, a MyHeritage nunca vendeu ou licenciou dados pessoais, genéticos e de saúde sem o “consentimento explícito” dos usuários.
Isso é ótimo, mas talvez ainda melhor é que a política da MyHeritage diz que a empresa “nunca irá providenciar dados a seguradoras em circunstância alguma” e que ela proíbe o “uso judicial” de seus serviços de DNA.
A política da empresa também diz que ela nunca vendeu ou licenciou dados pessoais, “por exemplo, nomes de clientes, e-mails, endereço residencial e árvores genealógicas, e que nunca fará isso no futuro”. Mas a empresa tem rastreadores de marketing de terceiros em seu site. Isso significa que os usuários são rastreados para o desenvolvimento de campanhas de marketing.
Para terminar, a MyHeritage permite que os usuários excluam todos ou parte de seus dados, e isso é bem fácil de fazer. Esse é outro ponto positivo nas questões de privacidade.
Quais são as implicações mais amplas do acesso da MyHeritageDNA aos meus dados?
Uma coisa que acho importante observar sobre a MyHeritage é que a empresa fica em Israel. Isso significa que ela não está sob jurisdição dos EUA, país conhecido por intimidar empresas de DNA e usá-las para perseguir criminosos.
A prisão do assassino de Golden State, capturado após décadas foragido, é provavelmente o caso mais conhecido envolvendo essa questão. A polícia conseguiu rastreá-lo ao submeter seu DNA à GEDmatch e depois usar combinações com parentes distantes para criar uma árvore genealógica do assassino e estuprador em série, o que levou à prisão do bandido.
Esse uso off-label de banco de dados genéticos corporativos significa que, mesmo não tendo o seu DNA em um desses arquivos, é possível rastreá-lo por meio dos parentes que têm, ou caso a polícia consiga seu DNA. No caso do assassino de Golden State, muitas pessoas acreditam que a ação valeu a pena. Mas outros grupos se preocupam com o uso abusivo do sequenciamento genético das pessoas de uma forma que elas não consentiram. Além disso, há a questão de que ninguém faz ideia de como a ciência pode usar isso no futuro.
Outro grupo que pode usar potencialmente seu teste de DNA contra você mesmo são as seguradoras. Em 2008, os EUA aprovaram a lei contra a discriminação baseada em informação genética (GINA – Genetic Information Nondiscrimination Act ou a Lei da Genética). Segundo ela, seguradoras não podem usar informações genéticas para negar a cobertura de uma pessoa ou fazer cobranças adicionais para serviços premium. Mas o mesmo não se aplica a seguros de vida, seguro de invalidez ou seguro de cuidados de longo prazo.
Assim, mesmo que a MyHeritage diga que “nunca irá providenciar dados a seguradoras em circunstância alguma”, as seguradoras têm o direito de perguntar ao consumidor se ele já fez um desses testes e quais foram os seus resultados. Caso eu tivesse feito um “upgrade” do meu teste com a MyHeritage e não informasse a seguradora quando solicitado, estaria cometendo uma fraude. Então é melhor deixar essa de lado.
Vale a pena?
A coisa mais importante a se ressaltar aqui diz menos respeito à MyHeritage e o que ela sabe sobre mim neste momento e mais sobre o que pode vir a acontecer no futuro. Mesmo que eu me sinta confortável — e até satisfeita — com a forma como a MyHeritage parece administrar questões relacionadas à privacidade neste momento, outras empresas de DNA focadas no mercado de consumo já mostraram que esses dados podem ser utilizados de formas que as pessoas nem imaginam. E isso me deixa bastante insegura.
Será que vale a pena? Para ser honesta, não sei. Se pudesse escolher hoje, não tenho certeza se teria cuspido naquele tubo. Mas eu realmente gosto daquele mapa interativo e, como disse, sou apaixonada por questões genealógicas. Por outro lado, não gosto de imaginar que uma escolha mal pensada possa ter consequência para meus netos e bisnetos.
Estou dividida. Concluindo, nesse caso, você decide. Se a descoberta do seu histórico genético é algo muito importante para você, então talvez valha a pena fazer o teste, mesmo colocando sua privacidade em risco. Mas, e se não for? Então talvez seja melhor pensar mais antes de se arriscar.